



Lua de São Jorge.
Quem sabe, talvez, ouvindo os versos da canção, poderia se entender o que se passa na Chapada dos Veadeiros.Uma confusão de paisagens, trilhas, cachoeiras, comidas, frutas exóticas, arvores retorcidas, cristais e pedras magmáticas, gentis.
Uma viagem acalentada há uns dois anos quando fui ao Jalapão. Como sempre digo: ir é uma questão de atitude. Era só eu, em busca dos prazeres do lugar, já previamente estudado.
Uma estrada boa,onde ciclistas comiam asfalto. Cheguei em Alto Paraíso de Goiás e fui direto para trilha da Cachoeira do Portal. Árvores, mata de cerrado, pequenos riachos aliviando a secura de setembro. Um banho pra lá de refrescante, formigando o corpo na água fria do rio São Bento. Latejava um desejo pela comida local.
Em direção a São Jorge, em frente ao Morro da Baleia, parei no rancho do Waldomiro, coisa pra lá de simples, mas como dizia um amigo : riquíssima. Apeei e provei uns tragos da cachaça do lugar, acho que até “bebi na pia” como tem no cartaz. O prato pedido era carne de lata com matula. O Goiás foi invadido por tropeiros e estes para conservar a carne, cozinhavam o porco em sua própria banha e armazenavam em lata , daí o nome desse “confit du porc”. A matula é uma mistura de feijão branco com carnes e requeijao servido em folha de bananeira, de sabor excepcional. Já fui feliz ali, com aquela deliciosa refeição embalada pelas estórias lendárias de seu Waldomiro, figura de uma amplidão do tamanho da paisagem.
Do rancho, voltamos a estrada , pegamos uns kilometros de piçarra, antes passando pelo Jardim de Maytrea, cartão postal_ Onde os buritizeiros repousam na moldura do horizonte, dos chapadões ao longe.
São Jorge, um povoado onde se tem a certeza que se está no interior do Brasil, recheado de pessoas de bom coração. Já era noite quando acordei de um breve descanso. Fui em busca de algo pra fazer; encontrei uma pizzaria , hesitei entrar, ainda ematulado (neologismo que criei e quer dizer pleno de matula) ; um garçom simpático me ofereceu uma caipirinha de abacaxi com gengibre. Tinha um cara conversador que parecia ainda está nos anos 60; conversamos sobre política, viagens , musica e pessoas. De súbito , a conversa teve que terminar e descobri que o cara era o cantor, e dos bons. Levou bacana, um passeio musical pelo rock e blues no violão, tocando Beatles, The Doors, Celso Blues Boys, Cássia Eller e Legiao; A coisa ficou mais empolgante quando chegou seu parceiro, que arrebentava na guitarra. As caipirinhas, a lua crescente e aquele ambiente despertaram a poesia que fluiu nos guardanapos de papel, ofertados por uma garçonete que parecia a Sandra Bullock. Fiquei de voltar.
No outro dia fui ao Parque da Chapada, uma longa caminhada , por picada de terra entre o cerrado. Em alguns trechos, descortinava um vão imenso e as muralhas ao fundo. Seixos de cristais por vezes permeavam o caminho. Acho que vi uns duendes, pelo menos os cogumelos brotavam de algumas arvores em sombra. Deni ia contando as estórias do lugar. Imaginava como fora o deslumbramento dos que primeiro ali chegaram, após dias de caminhada exaustiva. O refrigério daquelas veredas, daquelas lagoas ao sopé das cachoeiras, desperta o índio da nossa ancestralidade. Massagens naturais das cascatas, mergulhos.Mais um dia feliz.No meio da trilha um papo sobre a vida, sobre as coisas sórdidas da imprensa; a constatação que a vida é sórdida, uma lembrança que teimo em não crer.Mas isso é pra próxima postagem.